28 fevereiro 2008

E há mesmo Sangue

Andava a “fazer uma espera” a este filme há já algum tempo. Desde o momento em que soube que PT Anderson iria voltar a filmar e, ainda para mais, com Daniel Day-Lewis no principal papel. O trailer elevava ainda mais as expectativas de quem esperava uma obra do mesmo realizador de Magnolia, Boogie Nights e Punch Drunk Love. Afinal, PT Anderson estava sem filmar desde 2002 e o mundo era um local mais pobre com a sua ausência.


Mas comecemos a tratar do filme. Haverá Sangue apresenta-nos a estória de Daniel Plainview, prospector de petróleo numa América em mudança na viragem do século XX para o século XX. Sem escrupulos, ambição desmedida e sem qualquer problema em mentir ou enganar quem quer que seja para obter aquilo que pretende. É uma estória tipicamente americana, com o valor pessoal da personagem central a ser retratado ao longo do filme. Mas afinal que valor é este? Não andarei muito longe da verdade se disser que Daniel Plainview é das personagens apresenta maior rudez e falta de ligação ou empatia com qualquer outro mortal que se lhe atravesse no caminho que alguma vez povoaram um ecran. É Day-Lewis quem tem a tarefa de construir esta personagem que nas mãos de um realizador menor seria odiável mas que aqui não podemos deixar de sentir algum afecto. Talvez pelos planos inicias, vemos a luta solitária de Plainview no interior de um mina, a forma como supera um acidente para se transportar à cidade mais próxima. A partir deste momento, logo no inicio do filme, temos o mapa da personagem traçado. Infatigável, incansável, capaz de anular a dor física para atingir objectivos. O que pode conseguir alguém com estas características? Tudo.

O trabalho de actores é notável neste filme. É óbvio falar na composição de Day-Lewis, mostrando a cada olhar a ebulição de ódio e desprezo no interior de Daniel Plainview, mas é de referir também o jovem Paul Dano. Em nada fica atrás de Day-Lewis, interpretando um pastor fundamentalista, fundador da Igreja da Terceira Revelação, assumindo-se como curador e veículo para a palavra de Deus. Notável como consegue fazer frente a Day-Lewis em cada cena onde se cruzam , notando também uma grande química entre os dois actores a que não deve ser alheio de PT Anderson como realizador. É fácil ignorar esta interpretação, classificando-a como “menor” face ao outro “monstro” presente no ecran, mas Eli Sunday é um “monstro” diferente. Faz-se valer e atinge os seus objectivos com as armas contrárias de Plainview. Usa a palavra doce e o olhar meigo onde o prospector é rude e curto no trato. Os dois juntos na mesma cena ofuscam qualquer actor que tenha o azar de estar por perto.
PT Anderson não teve o dinheiro que queria para este filme, o que me faz perguntar: o que faria ele se tivesse? É notória ausência de gruas ou outros mecanismos para movimentar a câmara de um lado para o outro (a steady-cam é presença nos locais onde é necessária, mas além disso pouco mais)
A banda sonora é poderossísma, Jonnhy Greenwood prova que que a AMPAS precisa de rever os critérios para nomeações ao Óscar de melhor banda sonora original. Reflecte na perfeição a tortuosidade da alma de Plainview e, no entanto, não deixa de ter momentos de calma, propícios aos planos contemplativos que PT Anderson de vez em quando encaixa no meio da narrativa.
Diferente de Magnolia, Boogie Nights, Punch Drunk Love e, no entanto, mantém a mesma ligação umbilical com os trabalhos anteriores de Anderson. Todos se debruçam sobre a figura humana, seja para analisar o poder do Amor, a decadência da extrema riqueza conseguida com pouco esforço ou a necessidade desesperante de uma ligação com mais alguém. Aqui Anderson mostra-nos o lado lunar de uma alma humana, ao mesmo tempo que inscreve o seu nome na restrita lista dos cineastas que podem ser considerados Génios. Pode não ser um Citizen Kane, mas anda lá perto com toda a certeza.

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