13 janeiro 2009

"A Troca" (Clint Eastwood, 2008)


Christine Collins vive uma vida aprazível. Leva o filho à escola, tem um emprego seguro, com perspectivas de uma promoção. Um dia o seu filho desaparece e, como qualquer boa mãe, Christine entra em pânico e dirige-se a quem normalmente protege os fracos e indefesos: a Polícia. A partir daqui tudo se resolveria de uma maneira ou de outra, com a policia a fazer os possíveis e impossíveis para devolver o rapaz desaparecido à progenitora desesperada, mas estamos em Los Angeles, no final dos anos '20 do século passado e a polícia é tudo menos uma entidade recomendável a quem se deve recorrer em situações extremas. Passados meses é dito a Christine que o seu filho, Walter foi encontrado e ser-lhe-à devolvido o quanto antes. No entanto, assim que a criança é devolvida à mãe, esta não o reconhece e afirma tratar-se de outro rapaz, com as modificações físicas a confirmar o argumento. A partir daqui Christine trava uma batalha desigual com as forças policiais da Cidade dos Anjos até que, finalmente, vê a razão do seu lado.

A sinopse é mais longa que o normal, mas a culpa recai inteiramente sobre o filme. De facto é necessário explicar muito bem o que se passa, até numa introdução sumária a um texto crítico, para que o leitor perceba o que está em causa nas próximas linhas. Tudo o que se vê em “A Troca” é verdade. Vou repetir: é tudo verdade. A incompetência da policia. A corrupção, a arrogância dessa incompetência corrupta e mesmo os homicídios praticados por Gordon Northcott. É esta faceta do real que torna o filme ainda mais duro de ver, como se fossemos continuamente golpeados no estomago de cada vez que mais um pormenor da estória é revelado.
Regresso de Clint Eastwood à realização depois do díptico sobre a batalha de Iwo Jima, “A Troca” é o exemplo de como o Cinema Clássico Americano precisa apenas de uma boa estória para se fazer valer sobre todos os truques técnicos e pirotécnicos em que algum cinema contemporâneo se esconde para iludir o espectador. Primazia da narrativa sobre a técnica, sendo esta apenas um leve fantasma, escondido habilmente pelo realizador que, deste modo, concede espaço aos actores para fazerem o seu melhor. Angelina Jolie aproveita com unhas e dentes esta oportunidade para provar que não é apenas um corpo pronto para o próximo filme de acção ou blockbuster de Verão. Com um realizador como Eastwood, um hábil director de actores, Jolie consegue uma interpretação notável, fruto das correcções provavelmente impostas pelo realizador à postura e maneirismos que tinham sido o seu ponto fraco noutro filme de época, “O Bom Pastor”. Angelina Jolie parece de facto uma mulher daquela época, conseguindo despir o fardo da sua personna cinematográfica, fruto de uma excessiva exposição mediática. É sobre ela que cai o peso cinematográfico desta obra, tendo a sua performance, sendo menos positiva, o poder de fazer tombar o que de resto tem de bom o filme. Nada que atemorizasse “Dirty Harry”, Clint Eastwood já provou em outras ocasiões como é capaz de transformar bons actores em extraordinárias performances vencedoras de prémios (Sean Penn em Mystic River, Hillary Swank em Million Dollar Baby, apenas para citar os mais recentes). Este caso não é excepção e, apesar da estranha ausência da lista de nomeados aos Globos de Ouro, o homenzinho dourado pode estar no horizonte para a actriz.

Fantástica reconstituição da época, mérito também para o director artístico, assim como para o argumentista, J Michael Straczynski, mais conhecido da ficção ciêntifica como criador da mítica série “Babylon 5”. Straczynski passou cerca de um ano a pesquisar todos os documentos legais onde o caso foi registado, e o resultado é um argumento sólido e uma narrativa fluída.

Há que destacar ainda a banda sonora, também composta por Clint Eastwood. É ela o nosso primeiro contacto com o filme, surgindo ainda antes do fade-in e reflectindo desde logo uma intensidade dramática construída com pausas nunca demasiado longas.
Pontos fracos? Apenas um, quando dá a sensação que Angelina Jolie perde a personagem numa cena de intensidade dramática mais forte, no entanto, apenas a sensação.

É bom voltar a ver um representante do Classicismo cinematográfico no grande ecrã, sentir o cuidado posto na construção da estória e o tempo dedicado às interpretações dos actores. Venha daí o próximo Eastwood, Gran Torino, já com data de estreia marcada em Portugal.